Será que vai chover?

Será que vai chover? - artigo de Geraldo Garcez Condé / Imagem: Pixabay

*Por Geraldo Garcez Condé

Há muito sobre o que escrever. Vive-se num país mergulhado na pandemia, na fome e na miséria como resultado de um perverso projeto de nação. A ignorância e a truculência são as virtudes dominantes em jogo no debate truncado e bestificante das chamadas redes sociais e também nos acotovelamentos da vida diária. À maneira das ficções distópicas, determinados grupos tentam reescrever a história como o desvelamento de uma verdade paranoica e retorcida. A ciência é ameaçada de tornar-se apenas uma questão de opinião. Negar evidências transforma-se não apenas numa bandeira política, mas numa maneira de rejeitar a própria razão. O postulado cartesiano é virado ao avesso: penso, logo inexisto. É uma tragédia em andamento para a qual ainda é preciso encontrar o tom adequado.

Mas pode-se adotar a ironia cruel e escrever sobre como, enfim, foi realizada a previsão de que este seria o “país do futuro”. Diante do atual estado de coisas, parece que esqueceram de avisar que o futuro sobre o qual falavam fica no passado. Talvez seja pertinente perguntar quem cavou este buraco existencial e se a resposta repousa no fundo. É tentador aceitar o raciocínio segundo o qual quem fez ou deixou fazer é igualmente responsável pelo que foi feito. Portanto, todos merecem tamanha desgraça. O buraco seria uma obra coletiva de um fatalismo ingênuo.

A amargura pode se tornar mais cinzenta e apontar responsáveis pela mórbida passividade. Eles seriam, por exemplo, os fãs dos reality shows e seguidores de célebres nulidades, que se comprazem em assistir à vida programada de fantasmas narcísicos enquanto no entorno há destruição e dor. Mas quem suporta essa máquina de moer vidas sem um analgésico? Como dormir unicamente acossado pelos pesadelos? A outra opção é o desespero, e não desesperar é o primeiro ato de resistência.

Derramar um palavrório motivacional de acomodação pode contentar o leitor. Afinal, isso vai passar, e uma “atitude positiva” – seja lá o que isso for – tem o poder de transformar a realidade individual; basta que a pessoa use seu poder interior, pois tudo é uma questão de intensidade da vontade. Mas essas platitudes não resistem a algumas perguntas incômodas. O que fazer enquanto a agonia não cessa? O que seria uma “atitude positiva”? Como se faz para transformar a realidade coletiva e não apenas a individual? E se o sujeito não tiver esse poder interior? Virar as costas para a história e mergulhar na interioridade parece uma fuga pelo imobilismo.

Há muitas perguntas numa busca urgente por respostas. Elas precisam ser feitas continuamente e as respostas arrancadas do seu esconderijo nebuloso. No entanto, é preciso estar atento ao imediato concreto da vida, ao hoje, ao aqui e agora.

Para começar, uma angustiante interrogação existencial-meteorológica: será que vai chover?
 

*Geraldo Garcez Condé é professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj.